A Mostra o Lixo é uma produção artístico-cultural que toma o lixo como ponto de intersecção entre diferentes segmentos culturais, em tempos em que as questões socioambientais adquirem grande visibilidade no Brasil e no mundo. Surgida por iniciativa da CIRCUS (Circuito de Interação de Redes Sociais) - associação radicada em Assis que promove ações nas áreas culturais e socioambientais. Desde 2012 a Mostra o Lixo tornou-se um projeto que possibilita a intercomunicação de diferentes
expressões artísticas e estéticas, nem que artistas reinventam as questões dos resíduos e descartes em suas obras, de modo a expressarem o mundo contemporâneo sob outras perspectivas que ultrapassem os discursos ecológicos e sociais.
Nesse ínterim, pretende-se repensar a relação com o espaço urbano e seus dejetos, por meio das experiências sensoriais que a dimensão artística pode proporcionar Seguindo a ideia de “catação” de palavras, sentidos e sentimentos convidamos os/as artistas parceiros/as da Mostra a criarem uma colagem de ideias sobre a relação entre lixo, arte e cultura, em suas dimensões materiais e subjetivas,
para a sinopse da III Mostra o Lixo.
PARA
pensar uma possível conexão entre lixo, arte e cultura parece ser um bom motivo para invocar Lygia Clark , para além de seus trabalhos mais populares que pedem manuseio e erotização dos objetos, nos transformando em ativadores, protagonistas em nossas demandas. Podemos ir mais fundo, na contundência de seus relatos, de seus escritos, muito menos palatáveis, que buscavam deixar transbordar do corpo todas as pulsões, todas as misturas entre carne e verbo, todos os conflitos entre
discurso e corpo. Partindo desta dualidade, podemos pensar o lixo como um sentido oculto do corpo, da cultura, substância que se cola, a contragosto, aos nossos propósitos e crenças. Este segundo passo a partir das propostas de Clark, seria ir mais fundo, mais longe, em nossos aterros pessoais. O lixo, neste sentido, como o retrato de Dorian Gray, organiza nossos delitos e em última instância, é um espelho.
SÃO
32 anos de carreira profissional no teatro, e nesses 32 anos já aconteceu de tudo, de tudo e mais um pouco. Muitas e muitas vezes nós fomos tratados como lixo. No começo entristeceu, no começo a gente se surpreendeu, mas com o passar do tempo eu fui achando bacana ser lixo. Nos últimos tempos eu comecei a refletir sobre isso e chegamos a uma conclusão que eu achei importante.
Eu acho que nós artistas, os bons artistas, e desculpem esse autoelogio, mas todo bom artista é na verdade um catador de lixo da sociedade, um lixeiro da sociedade, que vai lá bagunça tudo, e a gente como bons catadores de lixo a gente limpa e organiza, e a gente não será convidado para a festa. Então eu prefiro continuar sendo esse catador de lixo, o lixeiro, porque eu acho que nós somos organizadores da sociedade, da bagunça da sociedade, das festas das comunidades. Poder exercer esse papel é gratificante demais. Então eu agradeço aos deuses do teatro, aos meus companheiros de teatro por ir junto com a gente por a gente tá juntos, limpando esse lixo todo, reciclando esse lixo todo, e dando novos significados.
Arte e sujeira caminharão juntos sempre para eternidade. Aliás a arte existe por causa da sujeira do mundo, a arte existe por causa do lixo. Então sejamos lixo, sejamos catadores de lixo.
ASSIM
como Sísifo, condenado por Zeus a um trabalho ininterrupto, penoso e inútil por toda eternidade, o artista carrega em suas costas uma resiliência que deverá ser incessantemente inabalável por toda sua existência. Destinado a transformar Lixo/Arte/Cultura em pulsão de vida e de morte em um eterno retorno.
POR FIM...
Acredito na beleza. Acredito que há beleza no que é realmente natural e não nesta beleza fake, industrializada e maquiada de juventude e vigor. Acredito que é belo o rito da morte, do envelhecimento e da decomposição."
Danillo Vila
Cia de Teatro Os Satyros
Cia carne agonizante
Marcio Douglas (Klauss)
CLARK, Lygia. Catálogo da exposição Lygia Clark. Rio de Janeiro: Paço Imperial,
1999.
WILDE, Oscar. O retrato de Dorian Gray. São Paulo: Abril Cultural, 1981